SEM PALAVRAS

Support World AIDS Day

2006-12-29

TÉTRICO (não Tetris)

Era um benemérito. Famoso pelas suas dádivas às associações mais carenciadas. Por isso, ninguém estranhou vê-lo, pessoalmente, a convidar os mais desgraçados da sociedade a irem ao seu jantar de Natal. Ninguém soube o número, mas falou-se em várias centenas de esfomeados que, pelo menos uma vez no ano, graças ao benemérito, tinham comido à vontade e partilhado a consoada com tão abençoadas pessoas.

Na semana seguinte, fim do ano, deu uma festa enorme aos seus amigos. Livre de críticas e de comentários maldosos, pois, ele sabia ser generoso para todos. A festa foi numa enorme tenda e consta que foi carne assada, com sabor especial e origem mantida no segredo dos deuses. Mais um sucesso.

Nunca mais ninguém se lembrou dos miseráveis que tinham lá ido na semana anterior. Nem nunca mais ninguém os viu.

2006-12-14

Marylin Manson

Confesso que tive sorte. Entrou um grupo de alunos e eu tive que os atender (durante o período das 12,30 às 14,00 só está um funcionário a atender ao balcão). O facto de ter estado num hospital, quase dez anos, no atendimento ao público, nas marcações de consultas, deu-me uma experiência útil. Aprendi a ver os provocadores, a aperceber-me dos que iam causar confusões e a lidar com esses potenciais problemas, antecipando-os ou desarmando-os com uma brincadeira, uma observação agradável, um comentário pacificador ou qualquer outra forma de não deixar chegar a uma situação desagradável.

Ali, numa escola secundária, os problemas eram muito diferentes, mas o tipo de "desordeiros" mantinha o perfil. Um dos mais exaltados e candidato a líder, usava uns auscultadores com a música a tocar bem alta. Confesso que não sou grande apreciador dos Marylin Mason, mas confesso, também, que há uma música deles que gosto e da qual sei o nome.

Estavam, portanto, sete ou oito rapazes e raparigas, todos a falarem ao mesmo tempo, a exigirem-me respostas quando ainda não tinha entendido qualquer pergunta. O dos auscultadores era o que mais gritava e mais agressividade demonstrava. Isolei-o, olhando só para ele, como se não estivesse mais ninguém, e, quando os nossos olhares se cruzaram perguntei-lhe, alto e bom som, se estava a ouvir os Marylin Mason? Fez-se silêncio. Ele deu-se ao trabalho de desentupir um dos ouvidos. Senti que passaram a prever uma disputa mais acesa do que aquela com que iam a contar. O funcionário de serviço meter-se com um deles por estar a ouvir aquela banda, ia animar a malta!

Em tom de desafio, respondeu-me que sim!, porquê? há azar?. Disse-lhe que não, que era apenas porque aquela música, "Beautiful People", era uma das que mais gostava. Antes que fechassem a boca de espanto virei-me para uma das alunas e perguntei o que pretendiam.

Ela, que não era candidata a líder, ainda olhou à volta mas lá me explicou as reclamações que pretendiam resolver. O ambiente já era outro. Pude explicar que eles deviam nomear dois ou três e dirigirem-se ao Conselho Executivo com as reivindicações bem definidas e os assuntos ordenados. Agradeceram e foram-se embora.

À saída, o que ouvia a "minha" música, talvez já com dificuldades auditivas, disse alto para os colegas "Toparam o quota? O gajo conhece os M.M. e a música deles. "

Acho que devo agradecer aos Marylin Manson comprando o disco que me fez subir na cotação de meia dúzia de alunos e que fez serenar os ânimos, quando são, precisamente, acusados do contrário.

2006-12-06

Acto falhado

Desculpem, mas hoje não tenho tempo. Estou a ler o Moby Dick (é mesmo Moby Dick e não, como traduziram na televisão, Moby Pila) , do Herman Melville. Porquê esta leitura? Ora, porque o li quando tinha 18 ou 19 anos e não achei grande coisa. Posteriormente, comecei a encontrar referências à obra. Desde o Jorge Luís Borge, passando pelo Gabriel Garcia Marques, até ao meu amigo Herlander. Achei que me devia ter escapado alguma coisa e voltei a lê-lo. Até agora, e estou quase no fim, é meeeesmoo chato. Mas a isto voltarei um dia destes. O importante é que para descansar da leitura, comecei a entreter-me com um jogo: o Super Collapse. É viciante. Até logo.

2006-11-13

O FRIO

O frio que me provoca lágrimas nos olhos, arrefece-me as memórias que tinha acalentadas na imaginação.
Sinto o sal nos lábios, mas mal passo a língua o vento seca-me. Sigo como folha do outono, agitada e errante, até me perder entre tantas outras.
Cada vez tenho mais dificuldade em lembrar-me do caminho secreto para ti. Espero um gesto teu e que me ensines o que não sei se já esqueci. Não tardes que o frio aperta-me.

2006-11-03





foto: Francesco Zizola

(vejam mais fotos)







Nem sempre é peixe aquilo que se apanha. Por vezes, deita-se a rede e sai uma bota. Uma bola de brincar ou plástico que já não serve. O mar nem sempre nos dá o que se espera.

E há momentos, em que nos sentimos grandiosos, que já não é peixe o que se pretende.
Há momentos, finitos, mas de tal modo poderosos, em que é o próprio sol que se quer apanhar.


2006-11-01

segui o conselho de uma amiga e o resultado...





Faça você também Que
gênio-louco é você?
Uma criação de O Mundo Insano da Abyssinia


Penso que o resultado não está muito longe da verdade. Acho que bate certo em 50%, o que é um bom valor para estes testes. Erra na parte do génio e acerta na da loucura.

Como vou viver o resto da semana depois disto???

2006-10-28

CORRUPÇÃO OU IGNORÂNCIA?

Uma destas noites, em que estive de serviço até às 22 horas, apareceu-me um fulano, com cerca de 30 anos, para se matricular no ensino recorrente nocturno. Trazia os documentos necessários, tudo em ordem, parecia que a matrícula ia correr bem. Fiz a soma das diferentes parcelas a cobrar e dava pouco mais de 9 euros. O futuro aluno estendeu-me uma nota de 50€. Se fosse durante o dia seria fácil arranjar troco, bastava-me ir ter com a tesoureira e pedir. Perto das 10 da noite, era eu o único na secretaria e não me era possível saír para tentar trocar a nota. Perguntei-lhe se ele se importava de ir tentar arranjar uma nota mais pequena. Com o mesmo à vontade, guardou a de 50 e tirou uma de 20. Ia para lhe perguntar porque é que não tinha dado logo a mais pequena, mas achei que no fim de um dia de trabalho era melhor não entrar nesse tipo de confusões. Estava a fazer-lhe o troco quando ele me diz para eu acertar contas e dar-lhe apenas 10€ e ficar com a diferença, cerca de 70 cêntimos. Agradeci, mas disse-lhe que tinha as moedas necessárias para fazer contas certas. Insistiu para eu guardar o excesso dos 10€, que sempre daria para um café. Sorri, ainda com um resto de boa vontade, e disse-lhe que não, obrigado, que tinha que lhe dar a diferença.

Foi nessa altura que as coisas tomaram outro rumo. Elevou a voz e perguntou-me se me achava superior para não aceitar um café pago por ele ou se estava à espera que ele me desse o troco todo. Não me apeteceu perceber bem e continuei, sem lhe responder, a dar-lhe o troco e o recibo. E ele a insistir que eu me estava a fazer era aos 10€. Ainda tentei explicar que já era pago para aquele serviço e que não esperava nem um cêntimo, nem 10 euros, nem nada de quem ali fosse. Que tivesse uma boa noite que eu ainda tinha trabalho para fazer. Retirou-se para a entrada dos serviços e continuou a arengar sobre os funcionários públicos que só faziam as coisas se recebessem algum por fora. Que eu me achava muito importante para recusar as moedas, mas que estava a contar com a nota. Que por isso é que o país não andava para a frente. Continuou por ali fora até fazer de mim o único culpado de tudo o que corria mal em Portugal.

Apareceram pessoas a acalmarem-no, umas a apoiá-lo, outras a tentarem demonstrar a idiotice da sua atitude. Eu acabei o atendimento e fechei o balcão. Fiquei a pensar. Ele nem tinha a noção que tinha tentado corromper-me. Que ele é que era passível de ser acusado das várias coisas que me tinha atirado à cara. Se eu tivesse aceitado os 70 cêntimos, provavelmente, sairia dali satisfeito e com as suas convicções reforçadas. Ao recusar, provoquei uma anomalia na estrutura em que ele assentava a sua vivência.

A ofensa e a irritação passaram-me, ficou a tristeza por existirem adultos, que iam fazer um esforço para melhorarem a sua formação académica, certamente depois de um dia de trabalho, e que já viviam uma realidade distorcida, que já assentavam os seus princípios morais em desvios comportamentais. Para ele a normalidade era o inverso do que se tinha passado ali. Mesmo que nunca tivesse tido razões para tal. Bastava-lhe o ter como natural o facto de acreditar que toda a gente aceitava dinheiro por ter feito alguma coisa ou para vir a fazer.

Eu tinha sido culpado de ter posto esse princípio em causa.

2006-10-26

OS PUTOS

Os miúdos, na escola, quando se querem afirmar ou manifestar a sua rebeldia (ou por outro motivo qualquer), escrevem palavrões ou outras coisas nos tampos das mesas ou nas cadeiras (ou noutro sítio qualquer).

Eu, que já me tenho por adulto, quando os chefes (e tenho muitos) me dão nas orelhas; quando os utentes me dão cabo da paciência (e já tenho pouca); quando as colegas me irritam (e já é fácil) ou quando acordo mal disposto (o que é difícil), escrevo no computador.

Não há grande diferença entre nós, pois não? Talvez eles não se preocupem muito com dias melhores e eu já não espero outra coisa.

2006-10-24

O Suplício

Já não me bastavam todos os problemas "morais" com a compra do "Expresso" (embora vá ficando com os filmes sem grandes remorsos) , como, agora, uma vez que o aproveito para o ler, fico a saber de todos os eventos que vão acontecer nos próximos dias e aos quais não irei assistir.

Vou enumerar alguns: Orquestra Gulbenkian, no dia 29.10.06; GNR - 25 anos, dia 31.10.06; PortoxBenfica, no próximo dia 28; Cats, até dia 28; Rui Veloso, 10.11.06; Quarteto de Herbie Hancock, a 16.11.06; o CD do Nigel Kennedy, "Blue Note Sessions"; Vicente Amigo, 28.10.06; "O Quebra Nozes", pelo Ballet Imperial Russo, lá para Novembro, e o novo disco do Sérgio Godinho, e o novo disco dos Gift e a Cassandra Wilson e a curiosidade de conhecer/ouvir Badi Assad, e o Chico César, e alguns filmes novos e muitos livros em lista de espera.

Parece-me que o "Expresso" se vinga de o ter votado ao esquecimento durante tanto tempo. Coloca-me diante dos olhos um menu delicioso, deixa-me com água na boca e é o último a rir-se por saber que me é impossível, nesta fase da minha permanência na terra, regalar-me com qualquer destes petiscos.

No próximo Sábado sai o último filme com o "Expresso". Os espectáculos continuarão a acontecer, mas os seus anúncios já não me entrarão pelos olhos dentro. Descansarei na ignorância.

2006-10-18

FILMES DE BORLA

Há vários meses (anos?) que tinha deixado de ler o "Expresso". Motivos? Havia muitos, mas o principal foi como se comportaram com o João Carreira Bom. Por agora chega.
Quando comecei a ouvir falar do novo semanário ("Sol", sei-o agora) pensei que seria mais do mesmo, até porque o director saíria de um para se meter no outro. Ressalva: há por lá bons jornalistas e comentadores, mas prescindi deles em nome do quero acreditar serem as minhas convicções.
Mas não contava com um golpe baixo. O "Expresso", numa jogada de antecipação, baixou o preço para 2,80€ e oferecia 8 filmes diferentes durante oito semanas. E filmes de qualidade! O primeiro escapou-me. "Lost in Translation". Não imaginei uma campanha tão bem sucedida e quando fui procurar estava esgotado. A partir dessa semana, todos os sábados, apresento-me cedo na papelaria à espera da minha traição: O "Expresso" e o filme. Faltam mais duas semanas para recuperar os meus princípios e deixar, novamente, de o comprar.
Mas a traição valeu a pena. Repara nos títulos: "Lost in Translation"; "Traffic"; "As Horas"; "O Piano"; "Chocolate"; "Os Condenados de Shawshank"; "Chicago" e "Rapariga com Brinco de Pérola".
Podes dizer que vou ficar com 7 excelentes filmes, mas tenho que confessar que, com uma ligeira excepção referente a "Traffic", eu atraiçoava a minha promessa de não voltar a comprar o "Expresso" por qualquer um dos outros filmes. Vendo-me barato?

2006-10-17

CHOVEU A POTES

Hoje levei com bátegas de chuva pela cabeça abaixo, chapadas de água suja que os carros pelas bermas atiraram, as goteiras pareciam estar à espera que eu lhes surgisse pela frente para despejarem o que lá tinham, os beirais fizeram pontaria ao meu pescoço, o guarda-chuva recusou-se a lutar contra o vento, o café que bebi, a meio do caminho, estava mais frio que eu, se me abrigava de um lado da rua o vento mudava e fustigava-me, as ruas que atravessei pareciam rios e o local de trabalho pareceu-me um porto de abrigo.

Sequei a cabeça com aqueles papéis de limpar as mãos. Sacudi-me como os cães molhados costumam fazer e atirei-me ao trabalho. Inexplicavelmente feliz.

2006-10-14

O OUTRO PÉ DA SEREIA (Mia Couto)

Primeiro, perdemos lembrança de termos sido do rio.
A seguir, esquecemos a terra que nos pertencera.
Depois da nossa memória ter perdido a geografia,
acabou perdendo a sua própria história.
Agora, não temos sequer ideia de termos perdido alguma coisa.

O BARBEIRO DE VILA LONGE
(do livro em título)

2006-10-12

CAMINHANDO PELA PAZ


Infelizmente não sei quem é o autor. Com o devido respeito, aqui fica uma passagem para a paz.

2006-10-10

PALAVRAS AO VENTO

Abadessa - A abade Vanessa;
Abrenúncio - Que abre a porta ao Núncio;
Abstracção - Atracção pelo abstracto;
Academia - Epidemia de académicos;
Afectividade - Actividade de pessoa afectada;
Obsessão - sessão no rio Ob;
Contratempo - caminhar em dia de temporal;
Convento - casa ventosa;
Crepuscular - oscular com crepitação;
Rebocador - Pessoa que repete muitas vezes a mesma coisa;
Racionamento - Pessoa que associa o raciocínio ao pensamento;
Racismo - Pessoa à rasca com medo dos sismos;
Fascista - Que faz de irmã;
Retroversão - Versão retro.

2006-10-06

Hoje não choveu

Hoje não choveu, mas movia-me como se estivesse num ambiente aquoso. Os gestos tinham a velocidade da câmara lenta e a resistência ao movimento era enorme. Só sentia uma estranha facilidade no sentido ascendente, como se fosse fácil flutuar, ali, no meio da rua. E, no entanto, a minha vontade era deixar-me ir, como um prego. Ancorei-me num banco do jardim e desfolhei os últimos dias. Havia, principalmente, algumas coisas que tinham ficado por dizer. Porque é que às vezes custa tanto dar o primeiro passo?Porque há um limite para a nossa capacidade de afastar os buracos do caminho? Ou era o meu orgulho a impedir-me de fazer o desvio necessário? De esquecer, mais uma vez, e seguir em frente? Há demasiados pontos de interrogação nesta passagem para parte incerta.

Aos meus ouvidos os Doors tocam "Strange days have found us/Strange days have tracked us down/They're goin' to destroy our casual joys/ We shall go on playing or find a new town/..."

Deixo-me ir ao sabor da música, das águas, dos ventos e dos buracos. A algum lado hei-de ir ter. Nalgum sítio encontrarei a nuvem indicadora ou a chuva que hoje não choveu. A resposta pode estar ao dobrar de qualquer gota de água. "Strange days have found us"!

2006-10-04

A LUZ DOS TEUS OLHOS

A luz dos teus olhos irradia alegria. Tudo à tua volta se transforma e anima. O teu sorriso enche o espaço. Nada fica vazio com o silêncio que de ti se solta. O riso que vais atirando aos bocados, agarra-se aos outros. Ninguém tenta fugir desse acto contagiante. As tuas mãos fazem desenhos no ar e desprendem-se magias que nos levam a cavalgar nuvens, a correr sobre as águas, a atravessar paredes, a voar por entre as pontes do rio. Os teus passos cercam a nossa resistência e declaras-te vencedor sem ferir nem proferir uma palavra. Existes e és uma primeira hipótese de clarear as sombras que persistem. Quando cresceres, quero ser como tu és agora. Deixa-me tentar. É só uma questão de tempo, se ele não se acabar antes.

2006-10-01

01001 000110 1100010

00 01 10 11 000 001 010 100 101 110 111 0000 0001 0010 0100 1000 1100 1111 1011 1001 1110 00000 00001 00010 00100 01000 10000 10001 10011 10010 10100 11111 11011 11000 01111.

(O meu computador, cansado de ver tantos blogs, pediu-me para fazer um post. Não sei do que se trata. Se notarem algum comportamento invulgar das vossas máquinas, por favor, informem-me.)

2006-09-30

PARALELAS ASSIMÉTRICAS

Houve uma época em que a conversa e os silêncios fluíam sem constrangimentos. Os dois pressentiam o que cada um esperava. Não havia necessidade de grandes explicações. Entendiam-se e compreendiam-se. Bastava-lhes.

A não necessidade de explicações deixou uma dúvida instalar-se. Ganhar volume. Tornar-se possessiva. Transformá-los. Quando começaram a sentir os silêncios as palavras já não eram suficientes. E encontraram portas fechadas onde nunca tinha havido paredes. Afastaram-se.

Um ritual permaneceu. Com desconhecimento de ambos. Jogavam sempre quatro euros no euromilhões. Dois para cada um. Sempre os mesmos números. Sem pensarem, continuaram a fazê-lo. Onde tinha havido uma vida partilhada, passou a existir uma série de números em comum.

Um dia tiveram que ir levantar um prémio. Cruzaram-se. Um ia já a descer, o outro a subir. E houve um momento infinito em que os olhos se fixaram nos olhos, em que a interrogação pairou na memória que tinham do outro, à procura de uma resposta. Não a acharam. Não perceberam que o medo era uma novidade que desconheciam existir neles. E o movimento de separação continuou. Ele perdido nas escadas e ela a perder-se na multidão.

2006-09-26

A FORMIGA NO CARREIRO

Hoje, no último instante, evitei pisar um carreiro de formigas. Terei evitado a morte de alguma? E, se sim, ter-me-ão sido perdoadas todas as outras vezes que não tive dúvidas em usar Shelltox para eliminar mosquitos, formigas e outros insectos?

Deverei ir falar com o Papa ou com o George Bush para me ajudarem nesta crise de consciência? Um deverá ser mais compreensivo, mas a experiência do outro é muito maior. Deveria ir falar com a chefe das formigas, mas recuso-me a aprender a comunicar com elas. Não as percebo, não as quero entender, só dou por elas quando se tornam incómodas, não são democratas e não pensam como eu.

Para que me hei-de estar a afligir? É normal os grandes pisarem os mais pequenos.

2006-09-25

Próxima etapa: NATAL

Sim, acabaram-se as férias. Pelo silêncio bem podias imaginar. Mas não vou falar de angústias de Domingo à tarde. Esta é maior. É o não ter prazer ou alegria naquilo que se faz.

Marx falava na alienação do trabalhador (operário). Não conhecia os funcionários públicos, caso contrário não deixaria de apontar que essa ainda é maior. Não são produtivos, no sentido de criarem bens, e não constatam, não podem ter consciência, de que o que produzem é vendido por um valor muito superior ao seu salário. O trabalho que exerço assenta, essencialmente, na desconfiança dos seres humanos. Então, controlam-se as horas de entrada e de saída, as faltas, as horas extraordinárias, os comprovativos de qualquer assunto e outras inutilidades. Se o ser humano fosse honesto por natureza, eu, e muitos outros, estariamos sem trabalho. Bastaria uma décima parte para processar o que realmente é significativo.

Quando falam em aumento de produtividade, na função pública, eu rio-me. No meu caso, eu aumentaria a quantidade de trabalho se os professores e os outros funcionários faltassem mais. Se todos fizessem mais horas extraordinárias, também aumentaria a minha produtividade. Ou seja: quanto mais os outros complicassem, faltassem, frequentassem acções de formação ou seminários, mais trabalho eu teria.

Na maior parte do tempo o meu trabalho é inútil. Não me realizo a controlar os outros. Processar os vencimentos é uma parte ínfima do que faço. A burocracia gerada pela desconfiança, preenche a maior parte do meu período laboral. Portanto, sinto-me desaproveitado. Daí que considere isso pior que a alienação do operário de Marx. Com a estupidez de alguns se considerarem superiores ou melhores por terem um trabalho mais "limpo", de secretária e computador.

Não tenho escapatória nem revolução que me valha. O meu patrão, ainda por cima, é impessoal. É o estado.

A minha esperança é a reforma. Mas parece-me que quando a estou quase a alcançar, a afastam um pouco mais. Assim, não sei quando a atingirei!

2006-09-21

BANG BANG

bang bang booom pum pum arf crack blam buzz caiiim spot tchaf clamp splash crackle crunch ding dong posh grunt honk honk miau mumble plop roaaar trrriiim blomp sbam buizz schranch slam puff puff slurp smack gulp aaaah sprank blomp huuum squit swoom bum thump iaaauuu plack piu clang tomp smash trac uaaagh vrooom yuk spliff augh zing slap nhoc zooom grrrrr sock toc toc pssst tumba boing splash trak yaaah nham plof zas traz shoot xiiiu plim plim uau aaargh catrapum zzzzzzzzzzzzzzz

Já tenho a banda sonora, só me faltam as imagens para o filme da minha vida.

2006-09-20

O TEMPO

Tenho consciência que o tempo não me vai chegar para tudo. Não me refiro ao dia-a-dia. Quero mesmo significar que o tempo de uma vida, o que me resta dela, não é suficiente para todas as coisas que eu gostava de fazer e usufruir.

Nunca tiveste dúvidas entre um autor conhecido e outro desconhecido e não arriscares e optares pelo que já te deu provas? É isso que eu lamento. Se não vou conseguir conhecer todas as obras de todos os autores de que gosto (estou a referir-me à música, à literatura, à pintura e a tudo o que me dá gozo), porque vou arriscar num autor que não conheço?

E sinto que perco com isso. Há, de certeza, novos valores a surgirem todos os dias. Quantos não me passarão ao lado por este motivo? Evidentemente, acontece alguém recomendar-me algum, em especial. Mas se venho a gostar dele, só aumenta a minha insatisfação. Como farei para o juntar a todos os que tenho como referência e dos quais me apetece conhecer a obra completa?

Já devia estar reformado e a aproveitar ao máximo as coisas. Há tanto para conhecer e tão pouco tempo para o fazer!

2006-09-19

PRECONCEITOS

Penso que a maior parte de nós tenta fugir deles. Ninguém dirá que é preconceituoso. E acredita no que diz. O problema reside naqueles que nos foram inculcados desde a infância, que não identificamos como tais, e que continuam a ser perpetuados por nós, pelos órgãos de comunicação social e por pessoas com responsabilidades acrescidas. (O Papa, por exemplo, explicou-se mal? Foi um erro de linguagem? Foi propositado? Ou deixou fugir uma ideia que tinha há muito no subconsciente?).

Mas não te quero falar das grandes figuras. Essas assumirão perante a história e perante os homens os seus preconceitos. O que me assusta somos nós, no dia a dia, a deixarmo-nos levar sem termos conciência disso.

Deixa ver se me explico melhor. Visito um blog e vejo o perfil. Os filmes, livros, música e o que mais lá houver. É impossível não formular uma ideia com base no que leio. Tudo bem. O errado está em classificar, rotular, arrumar em determinada prateleira, a pessoa que prefere os clássicos russos, o Kafka, "Os Miseráveis", o filme "A Leste do Paraíso", o "Há Lodo no Cais", a Virgínia Wolf (filmes e livros?), música Celta, Andina, Boleros e "fado não obrigada".

Deixa-me continuar, depois protestas. O erro não está em quem tem estes gostos. O defeito está em eu não imaginar uma pessoa (não conseguir classificar) com tais preferências. O texto (excelente) sobre os Pearl Jam, levam-me, com base nas ideias pré-concebidas, a catalogar tal pessoa em determinada estante. O desvendar das restantes preferências musicais, vem pertubar essa arrumação. E, se é simples não nos darmos ao trabalho de pensar, esse gosto, heterogéneo, obriga-me a rever os estereótipos em que me estava a lançar.

É evidente que não se conhece ninguém por uma manifestação das suas preferências culturais. Então, porque é que eu, apesar de procurar evitar os preconceitos, já ia lançado no julgamento?

Por preguiça e medo (é aqui que quero chegar!). Estamos habituados a não raciocinar. Em não perturbarmos o nosso sistema de valores. Em encaixarmos as pessoas nos lugares que pensamos serem os delas. Qualquer fuga ao padrão perturba-nos e obriga-nos a rever a nossa classificação. Se não encontramos, no nosso arquivo mental, lugar para uma fácil recolocação, mais perturbados/confusos ficamos.

Isto obriga-nos a pensar, a vencer os preconceitos, a voltar ao zero, a partirmos do nada. E isso inquieta-nos. É mais fácil arrumar uma pessoa debaixo de uma etiqueta e deixá-la lá ficar.

Este é um tipo de preconceitos, há mais, mas estes já me dão que fazer.

2006-09-17

FIM DA TARDE EM PINHAL NOVO


Pronto, esta não foi trabalhada em computador. Só está lá armazenada. E é a cores. E eu não sei se gosto mais do que da outra a preto e branco. A da árvore tem uma tensão, um ambiente pesado, uma nota de angústia, uma ameaça de temporal. Esta, é bonitinha.

2006-09-15

O TELEMÓVEL

Não vou cometer o disparate, apesar de estar de férias, de dissertar sobre os malefícios dos telemóveis. Primeiro, porque não conheço nenhuns; depois, porque sei como tal aparelho pode ser vital. O telefone portátil, que se leva para qualquer lugar, que nos permite contactar alguém em qualquer lado, é uma invenção útil e não merece discussão.

Do que eu te quero falar é da "aventura" de um amigo para comprar um. Ele queria o mais simples possível, o mais barato e que desse para... telefonar, mais nada. Na primeira loja apresentaram-lhe os últimos modelos, com MP3, máquina fotográfica com 2.0 Mega, 3G banda larga, bluetooth, vídeo chamada, 260.000 cores no ecrã, live TV, rádio FM... e ele a perguntar, mas dá para telefonar? Claro que acabou a simpatia inicial e ele resolveu ir a outra.

Logo que foi atendido, explicou, bem directo, que só queria um telemóvel para telefonar. Que não valia a pena mostrarem-lhe todos os outros. Tinham algum? Que não. Lamentavam muito, estavam à espera, mas não tinham.

Na loja seguinte, a primeira pessoa que o atendeu, desinteressou-se logo que percebeu que não ia vender nenhum dos últimos modelos. Pediu desculpa e chamou um colega, um rapaz novo, entusiasta da tecnologia mais recente. Entendeu o que o meu amigo queria, mas não desistia de lhe fazer ver todas as coisas que ele podia levar num telemóvel daquela geração. Não houve zangas porque o possível comprador, desistiu.

Quando me mostrou, finalmente, o telemóvel que tinha comprado (Posso dizer a marca? Um Sagem VS3!), eu fiquei espantado, aquilo só servia para telefonar! Então e onde é que o compraste? Perguntei-lhe, depois de afirmar que era bonito e que parecia bom. Na internet, respondeu.

Eu bem te digo que na internet se encontra tudo, é só saber procurar. Até há telemóveis que só servem para a função inicial: telefonar!

2006-09-14

CONSUMIDOR

Estou de férias.

Antes que comeces a dizer que sortudo, ou ainda?!, lembra-te que trabalhei todo o verão. Sim, fui eu que fiquei a assegurar o serviço, enquanto o resto do país estava a banhos ou onde lhe apetecia ou podia.

Portanto, estou de férias e deu-me para pensar. A sociedade está dividida em produtores e consumidores. Eu pertenço ao segundo grupo. Gosto de música, mas não sei tocar uma única nota. Gosto de literatura e não consigo passar deste escrevinhar de blog. Gosto de pintura, escultura e arquitectura, mas só sujo as mãos a mudar o tonner da fotocopiadora. E podia continuar com a maior parte das actividades humanas que o resultado seria o mesmo: eu estaria ao lado do produto final. Pronto a admirá-lo e a comprar. Só que o dinheiro não chega e tenho que me contentar com uns cd's e um livro de vez em quando.

Ora, inevitavelmente, isto causa uma certa frustração. Eu devia ter o direito de comprar tudo o que aprecio. Vou mais longe: o estado devia dar-me os meios para eu ser um perfeito consumidor. Ao fim e ao cabo, o meu papel é tão ou mais importante que o dos produtores. O que seria deles se não fossem os compradores?

Não, não defendo esta teoria sem a aplicação de regras justas. Nem todos dão para consumidores perfeitos ou perto disso. O estado deveria submeter-me a um exame criterioso, avaliar o meu espírito crítico, a minha capacidade de análise, o meu poder de síntese e tudo o mais que servisse para julgar as minhas faculdades consumidoras. Se eu ficasse aprovado, então, dar-me-ia os meios para eu me realizar como tal e desempenhar essa importante função nesta sociedade.

Vê-se bem que estou de férias, não é?

FOTOS


A fotografia digital foi a minha salvação. A minha paixão estava a tornar-se muito cara. As revelações eram más e não permitiam rectificações. Estragaram-me rolos porque não se aperceberam que eram 400 ASA ou porque acharam que os amarelos (eu tinha comprado um rolo para os realçar) estavam demasiado vivos.

Assim, embora a qualidade no papel ainda se distinga, pelo menos com o equipamento que uso, no ecrã já fazem a mesma figura. E há a possibilidade de as trabalhar em computador. Por vezes ficam piores, outras não.

O meu prazer começa logo ao pensar tirar a fotografia. O enquadramento, a luz, o zoom, tudo a que tenho direito. E não me contento com uma só. Tiro várias e, nalgumas raras ocasiões, fico com o agradável problema de não saber qual eliminar. O visionamento crítico é outra coisa de que gosto. Escolher as que serão apagadas, as que podem ser trabalhadas, as que serão adulteradas e as que passam a preto e branco. Por fim, passá-las pelo programa do computador para as emendas possíveis. Aqui, podem surgir novas fotos, graças a um novo enquadramento, ao realce ou ausência de cor. Uma infinidade de opções.

Mas há uma coisa que me irrita. É mostrar aquela que me deu mais trabalho, a que eu julgo mais conseguida e ouvir "huum... não está mal". Digam-me que não gostam, que adoram, que está boa ou que está uma merda, mas... a indiferença ou a caridade dão cabo de mim.

Assim, já sabes. Diz o que te apetecer, desde que não digas o que não gosto ;)

2006-09-12

MEMÓRIA

Uma coisa é o que eu recordo, outra o que eu vivi e outra o que eu conto.



Eu nasci a horas mortas,
Cresci nas horas de ponta.
Vivi horas faz-de-conta,
Fiz horas extraordinárias,
Somei só horas de atraso.
Sonhei três horas felizes,
Morrerei às horas certas.
Hora porra p'ros deslizes!

2006-09-11

bogues e BLOGUES

Hoje a frescura chegou a horas. Ia eu a caminho do trabalho e quase sentia o cheiro a chuva. Cheirei a erva cortada de fresco. Sentei-me no jardim, senti o fumo do cigarro e ouvi a Billie Holiday cantar "When your lover has gone". O dia prometia.

Aproveitei para pensar em blogues. Há cerca de três anos senti curiosidade em saber se conseguia ter um. Estava a moda no início, havia pouca oferta, pouca experiência, mas consegui definir, não um, mas dois blogues. Verdade seja dita que depois de saber que tinha conseguido, desinteressei-me. Pouco escrevi em qualquer deles.

Há uns meses atrás, farto de saber que toda a gente tinha o seu blogue, comecei a espreitar os que me apareciam. Ou seja, sem critério de pesquisa. Depressa os classifiquei em "Excepcionais"; "Muito Bons"; "Bons" e 90% merda. Acreditei que faria sentido manter uma espécie de diário, sem preocupações de pertencer aos 90%. Não comunicava a ninguém e, dificilmente, alguém iria lá parar.

Esqueci-me que, actualmente, na internet, quem procura sempre encontra. Ontem, acabei de ver todo o blogue de quem me veio inquietar. Não é excepcional (ainda só encontrei um com esta classificação), mas é MUITO BOM. Porque é que fiquei surpreso? Por ter estranhado que alguém capaz de fazer e escrever o que vi e li, tenha perdido tempo a ler-me. O blogue está graficamente bem conseguido, muito bonito e agradável de ver, mas os textos revelam uma sensibilidade e um gosto fora do comum. Senti-me orgulhoso.
Eu conhecia aquela pessoa. Quem fazia aquilo já tinha estado em minha casa - este blogue. Tenho que rever a minha classificação. Pode não ser excepcional, mas toca-me mais que o dito um.

Levantei-me, a Billie já estava a cantar "All of you", e segui para o emprego.

O dia continua a correr-me bem.

2006-09-09

AS MÁQUINAS

Comprei um computador. Não era o Mac que tanto queria, mas o PC que podia. Pensei que serviria muito bem para o que pretendia.

O problema é que acho que a máquina ou "percebeu" que só estava ali por ser barata ou deixou-se afectar pelo calor.

A ligação à internet, que costuma ser uma coisa simples, foi uma tremenda dor de cabeça. Desisti e pedi ao técnico para vir cá instalar. Garanto que ele fez tudo o que eu tinha feito, só que a ligação ficou a funcionar. Nessa altura eu ainda não pensava em coisas estranhas.

Noutra altura, depois de uma mudança de local, por esquecimento, deixei o teclado desligado. Ele, solícito, avisou-me: "Atenção! Não foi detectado o teclado. Carregue na tecla tal e tal e continue." Achei uma maravilha de ironia. Não me irritei. Ri-me, liguei o teclado e tudo bem.

Passados uns dias, estava eu a gravar uns cd's de música, surge a mensagem de que a memória estava baixa e pedia para eu fechar programas. Ainda estava eu a tentar descobrir se estava mais algum programa aberto e ele, zás!, desliga-se. O que mais me transtornou não foi ter-se estragado o cd, foi o tempo perdido, pois estava quase a terminar os 80 minutos de gravação. Foi nessa altura que comecei a pensar que, de alguma maneira, o computador percebera que não era o preferido, que era uma solução de recurso e que não me perdoava esse distanciamento, essa frieza, da minha parte.

Mudei de atitude. Comecei a limpá-lo bem, a não bater com força nas teclas, a mantê-lo num lugar importante da sala, a tapá-lo, a não deixar a gata ir deitar-se no monitor, etc. Só que quanto melhor o tratava mais tirano ele se tornava: desligava-se por tudo e por nada, não reconhecia hardware que sempre tinha aceitado, dizia-me que não havia disco na drive, quando eu tinha acabado de colocar um virgem e brilhante azulado.

Comecei a recear as mensagens. Nunca sabia o que podia vir dali. Eram ambíguas, alarmistas (tipo: ocorreu um erro fatal!"), dava informações erradas e gostava de me envergonhar frente aos amigos. Quando eu dizia "querem ver este programa, que saquei da net?", ele escondia-o numa pasta obscura. Até ficheiros por mim criados ele os guardava sem eu saber onde. Acho que só lhe faltou chamar-me ignorante, de caras.

A última dele. Uma amiga recomendou-me um site Espanhol. Fui ver e tentar ouvir as músicas que lá estavam. Acreditam que ainda não consegui ouvir uma completa? Ele desliga-se perto do fim. Sem avisos, sem comentários, sem tugir nem mugir.

Eu sei que este calor transtorna as pessoas, mas nunca tinha ouvido falar do efeito que provoca nos computadores. Ou querem que eu aceite a outra explicação?


O LIVRO AMARELO

Fui enganado. O dia começou fresco e acabou a ferver. Reclamei junto de S. Pedro. Não me deu grande conversa, via-se que estava habituado a este tipo de situações. Mandou-me aguardar. Fiquei à espera, talvez visse S. Paulo, Santo Agostinho e mais uns poucos com quem gostaria de trocar umas ideias. Quem sabe, talvez viesse Deus. Não, voltou S. Pedro com um livro amarelo na mão. Atirou-mo e disse: "Faz a tua reclamação por escrito!". Fiquei pasmado, para já não falar do tratamento por tu, mas nada a que não estivesse habituado. Escrevi. Fiz a reclamação por escrito. Arranquei a folha que me competia e devolvi-lhe o livro. "Vê-se que estás habituado a reclamar. Até sabias qual era a cópia que era para ti!". Não ia para dizer nada, mas vi um vulto aproximar-se e, na esperança de ser um dos interessantes, resolvi ganhar tempo. Perguntei se ia demorar a ter uma resposta. "Não sabes que há prazos que têm que ser cumpridos?!?! É o normal."

Vi quem estava a chegar e não insisti numa resposta. Era Santo António. S. Pedro disse-lhe que eu era Português e estava a reclamar. E foi-se embora. Para fazer conversa disse-lhe que era Português como ele. "Chiuuuu! Não digas isso em voz alta. Eu sou o Santo António de Pádua."

Mas, argumentei, nasceu em Portugal, viveu em Lisboa muitos anos e agora diz que é Italiano? E o Santo: "Não imaginas como Portugal está mal visto por aqui. Prefiro ser Italiano! Vai, vai andando e cala-te! Se tiveres que voltar aqui, aconselho-te a que não digas que és de Portugal".

Quem é que não dá ouvidos aos Santos? Fui a correr à embaixada de Itália. Quero a nacionalidade Italiana. Fui colonizado durante séculos pelos Romanos, acho que tenho direito.

2006-09-07

O ESTRANHO

Não tenho carro. E preciso de emagrecer. E gosto de andar a pé. E gosto de música.

Moro a meia-hora, a pé, do local onde trabalho. Com este calor a distância é maior: cerca de uma hora, com paragens para refrescar à sombra de uma árvore ou de um prédio ou da estação dos comboios. Mas de manhã, pelo fresco, sento-me no banco do jardim. Gosto de ficar a ver a pressa dos outros, as sombras a desaparecerem, o fumo do cigarro e a música nos ouvidos.

Descobri o prazer de meter no bolso as modernas caixinhas de música e nos ouvidos os tampões que dão o som que gosto. Engraçado é reparar nas reacções dos outros. Os mais novos olham com atenção a tentar descobrir o que tenho e o que oiço. Os mais velhos estranham uma pessoa da minha idade com aquelas coisas dos miúdos nos ouvidos. Mas aquelas coisas dão-me asas. Vou, por vezes, ao ritmo da música, estalando os dedos ou abanando a cabeça. Concordo, não é próprio.

Ainda por cima, no trabalho, descobri que a música me ajuda a não ter que ouvir as conversas das minhas colegas. Elas parecem ficar irritadas, mas eu dou graças às novas tecnologias.

Agora, a distância que tenho que percorrer parece mais curta, mas por muito estranho que seja, demoro mais tempo a lá chegar. As asas levam-me por caminhos inesperados.

2006-09-06

Barretes

Nunca acreditei que conseguia comprar coisas boas por preços mais baixos que o normal. Não, não estou a falar de comprar coisas roubadas! O que eu quero dizer é, por exemplo, ir à Worten, perder várias horas mergulhado em contentores com cd's de música, vasculhar, virar, revirar, por de lado, ir ao fundo e encontrar o cd que procurava há anos. E pagar a 0,90 euros! O que tem acontecido é que em cada cinco que compro, três não são nada do que eu queria.

Hoje comprei quatro: um do Neil Young, outro dos Genesis, Miles Davis e um Espanhol, Mikel Erentxun. Digamos que o resultado não foi mau de todo - 50% foram uma boa aquisição. Miles e Mikel não desapontaram. Os outros foram uma desilusão. Apanhei o Neil Young de uma fase melosa, todo romântico e bom pai de família. Os Genesis... eram os Genesis do Phill Collins. Muito iguais, parecia que estavam sempre a tocar a mesma música. E estes nem eram a 90 cêntimos!

Mas isto leva-me a pensar nos autores de origem Espanhola. Continuamos, nós, os Portugueses, a insistir na ignorância de músicos e escritores do resto da Península Ibérica. E não me digam que eles fazem o mesmo em relação a nós. Mesmo que o façam não justifica comportamento igual. E ficamos a perder porque eles são muitos mais.

Percam um bocado de tempo a procurar e vão acabar por descobrir e gostar de alguns.

2006-09-05

CONTRADIÇÕES

È engraçado que tenha começado a escrever aqui na esperança de ser descoberto e com o à vontade de saber que não seria lido por mais ninguém.

Enganei-me. E a escrita já não consegue ser a mesma. Parece-me que tenho uma pessoa a espreitar por cima do ombro. Emendo palavras, sigo outras ideias, porque sei que há alguém que lê isto.

Defeito meu. Falta de experiência bloguista? Insegurança? Seja o que for não vai durar muito. Hei-de voltar a escrever livre. Questão de tempo e de lógica.

Se quem lê isto tem a sensibilidade para escrever como o fez, eu só posso estar no bom caminho.
Portanto, agora, é só uma questão de tempo. E de passar o calor.

Este calor, acho que já o escrevi, incomoda-me. Deixa-me como esparguete demasiado cozido. Atrofia-me os movimentos e as ideias.

Não foi boa ideia escrever a esta hora. Voltarei pela fresquinha.

2006-09-03

Recuperei o acesso ao blog!

Quando já dava por encerrada esta parte (NAFAIXERRADA) dos meus escritos, sem saber como nem porquê, acedi, novamente, com a maior das facilidades.
Claro que a culpa só pode ter sido minha. O(A?) Google não tem tempo a perder com pessoas assim. Se eu escrevo a dizer-lhes que não consigo entrar no meu blog, eles remetem-me para as FAQ's. Se lhes volto a escrever a dizer que o meu problema não vem nas FAQ's e que tem origem no assumirem uma posição de automatismo perante todas as perguntas, devolvem-me para o pedido de recuperação da password ou do nome do utilizador. Senti-me bola de ping-pong durante uns tempos. Senti-me a carta fora do baralho, a peça redundante, o anacronismo com o qual não se pode perder tempo. Um caso singular não justifica o investimento de uma resposta pessoal. E o pior é que cada vez sinto mais estar a ser assim tratado. Pelo estado, pela entidade patronal, até pelas Testemunhas de Jeová que não aceitaram o meu convite para ficarmos a discutir o assunto que eu, delicadamente, os ouvi explicar. Não voltaram cá!

Bem, tenho o blog de volta e espero que não volte a fugir. Eu quero voltar.

2006-08-14

FAÇO ANOS

É verdade, hoje é dia do meu aniversário. Não é que note alguma diferença em relação a ontem ou à semana passada, mas os anos vão passando e há coisas que se mudam. Em nós e à nossa volta. Será a quantidade de mudanças a medida exacta do tempo?

Até agora só houve um acréscimo inusitado de mensagens. Tirando a Isabel, ainda não recebi parabéns de viva voz. Será que já nem se usa o telefone para estas circunstâncias? Fico a aguardar pela primeira pessoa que me deseje felicidades e que eu possa sentir a entoação, o tom da voz, um mínimo de calor humano. Não é pedir muito no dia de anos, pois não?

2006-08-13

FINALMENTE, DOMINGO SEM ANGÚSTIAS

E hoje está mais fresco... Já dá para ouvir o Jorge Palma e ler o Jorge Luís Borges, entremeado pelo Expresso. É que ler o Borges de seguida é dia de calor tórrido. Eu tenho que digerir dois ou três textos, fazer uma pausa, longa, vaguear por uma leitura ligeira e retornar. E ainda tem os poemas. Lê este:

O Cúmplice

Crucificam-me e eu tenho de ser a cruz e os pregos.
Estendem-me a taça e eu tenho de ser a cicuta.
Enganam-me e eu tenho de ser a mentira.
Incendeiam-me e eu tenho de ser o inferno.
Tenho de louvar e de agradecer cada instante do tempo.
O meu alimento é todas as coisas.
O peso exacto do universo, a humilhação, o júbilo.
Tenho de justificar o que me fere.
Não importa a minha felicidade ou infelicidade.
Sou o poeta.

2006-08-12

"PORQUE HOJE É SÁBADO"

O título é de um poeta Brasileiro, Vinícius de Moraes, que cantava mal e bebia bem, que morreu atrapalhando o trânsito, deixando um vazio nunca mais preenchido. Um pouco como o nosso Ary dos Santos, com a grande diferença de nunca, que eu saiba, ter cantado.

Porque hoje é sábado levantei-me mais tarde, fui ler para o café (hábito dos tempos de estudante?), almoçámos com um casal amigo, estivemos a ouvir os U2, fomos tomar uma bica, ver as fotos que já tiraram das férias, despedimo-nos que eles queriam continuar as férias e nós ficámos os dois. Temos tempo, hoje só foi o primeiro dia do fim de semana prolongado.

Agora é hora de ouvir a Diana Krall, escrever, ler o que outros escreveram e , provavelmente, ver um filme na TV.

Deuses, dái-me tempo; não me esqueci do que vos prometi ontem.

2006-08-11

GRAÇAS AOS DEUSES É SEXTA-FEIRA

Finalmente. E um dia de férias, metido no dia 14, faz-me sentir no Pólo Norte a olhar o Mundo aos meus pés e as guerras a não passarem de disputas de formigas no carreiro.

Hei-de regressar à realidade, prometo a todos os Deuses, mas, até lá, deixem-me sonhar. Deixem-me ficar só com a Isabel, com os amigos, que são tão poucos, e com os gatos que me conhecem as manhas.

Deixem-me levar a ilusão o mais longe possível. Prometo-vos uma adoração especial do sol na primeira oportunidade.

2006-08-10

"QUANTO MAIS QUENTE MELHOR", LEMBRAS-TE?

O calor era tanto que eu ouvia e via as rochas a estalarem. O barulho parecia o de um animal moribundo (a matança do porco?), um som agudo e prolongado. A visão era estranha: nunca tinha observado uma rocha, não um calhau, nem uma pedra da calçada, mas um mineral sólido do tamanho de um carro, a dividir-se como se tivesse sido atingido por um raio.

Mas outros fenómenos depressa chamaram a minha atenção: o asfalto das ruas parecia manteiga e os pneus de alguns carros fundiam-se com o alcatrão. As andorinhas voavam em círculos, mais como aves de rapina do que como pássaros que faziam da arte de voar um espectáculo. Os cães, com a língua de fora, corriam sem destino e sem uivar. Um gato juntou-se a eles.

Não se via nenhum ser humano, excepto os que ficavam presos nos carros e que não se atreviam a saír. Um incêndio deflagrou, espontâneamente, no que eram umas flores do jardim. Propagou-se ao resto, primeiro o mundo vegetal, depois a tudo o que podia arder. E, para minha surpresa, eram todas as coisas. Tudo era combustível.

Foi quando acordei e corri à janela. Não vi incêndios, mas não consegui voltar a adormecer. Este calor está a dar comigo em doido.

2006-08-09

O GATINHO

O calor continua a apertar comigo. Logo de manhã, ainda meio ensonado, oiço um palerma dizer na rádio que o tempo excelente, magnífico, ia continuar. O gajo deve ter ar condicionado na BestRock. Ou, então, como nunca está calado, faz corrente de ar. Está na altura de mudar de emissora.

Saí da escola por volta do meio-dia e meia. Tinha combinado ir almoçar com um amigo e não queria que ele tivesse que esperar por mim à soleira. Que por ali não há sombras, só pó e calor. Quando me estava a abrigar do sol e a colocar-me num ponto estratégico para o ver chegar, oiço um gatito a miar. Olho para as plantas, dentro da escola, junto ao portão, e aparece o bichano todo preto, com uma fita ao pescoço. Respirei aliviado. Não devia ser abandonado. Quem abandona os animais dá-se ao trabalho de lhes tirar tudo o que os possa identificar. São filhos da puta que cheguem para condenarem a uma morte quase certa, o animal que teve o azar de confiar neles, mas nunca se esquecem de tirar todos os possíveis identificadores.

Bem, o pequeno felino deu uns saltitos e ficou a olhar para mim, como quem diz "E agora?". Isso pergunto eu, pá! Que faço de ti? Ficares na escola, em tempo de férias, era dar-te abrigo, água que sempre corre de alguma torneira, mas onde arranjar comida? Além do mais, se ele não era abandonado, devia ser dali perto.

Atravessei a rua. O gajo seguiu-me. Com todo o à vontade só possível num mamífero jovem. Na entrada de um prédio, sentei-me nos degraus, à sombra. Ele acompanhou-me, mas deitou-se ao comprido, para aproveitar o máximo de frescura. Aquele prédio ainda não estava habitado, portanto ele não era dali. Levantei-me e dirigi-me à esquina mais próxima, que dava para uma rua já com moradores. Ele foi atrás de mim, como cão ensinado. Quando cheguei à esquina parei a ver se aparecia alguém com caro de dono do gato ou se ele reconhecia a zona e se dirigia para alguma porta.

Foi quando vi chegar o meu amigo à outra esquina. Assobiei com força para lhe chamar a atenção. Ele não deu sinal de me ter ouvido, mas o gatinho assustou-se e foi disparado rua fora até uma porta por onde desapareceu.

Quero acreditar que era ali a morada dele. Quero crer que os donos estariam à espera ou à sua procura. Quero um final feliz. Porque fui almoçar e não me lembrei mais do bicho. E não quero ter, agora, a minha consciência a levantar-me dúvidas.

2006-08-08

E O CALOR? SENHOR! O CALOR...

Levantei-me, espreitei lá para fora e fui a correr abrir as janelas todas. O céu estava fechado, mas o ar era fresco. Senti-me bem e respirei fundo. Um cheiro irritante, mas que me trazia à memória sensações agradáveis, baralhou-me. Depois, lembrei-me: era o da celulose de Setúbal. Há muito tempo que não o sentia. Há muito tempo que não vinha vento de sul. E este vento era fresco, vinha do mar, trazia chuva no ventre. Mas este era, somente, fresco. O que já era muito para os dias quentes que teimavam em durar.

Ao meio-dia já o cheiro tinha desaparecido da vila. O sol e o calor tinham ocupado o seu lugar.

E, com o subir da temperatura, subia a irritação. Por tudo e por nada. Comigo, a simpatia derrete-se acima dos 30 graus. Hoje esgotei-me em suor. Não há mais nada.

2006-08-06

ANGÚSTIA

Esta angústia de Domingo à tarde acompanha-me desde que me lembro. Primeiro com a escola, agora com o trabalho.
Já lá vão tantas vésperas de segundas-feiras que este incómodo, que não é de ferida, já podia ter desaparecido. Será que na minha memória não existe nenhum início de semana alegre quanto baste, para eu ter a esperança que se possa repetir?
(Pausa para pensar e ouvir Ella Fitzgerald)

Não me recordo de nenhum. Mas deve ter existido. De certeza que um, pelo menos, aconteceu. Vou ter esperança que amanhã se repita. Escrevo e quero acreditar nisso.

Quero acabar o fim de semana, se não como se fosse sexta-feira à noite, pelo menos como Sábado à tarde.

A Primeira

Não vou estar a dizer quem sou ou como sou. Este é um mundo de ilusão e, facilmente, poderia escrever o que me apetecesse. Deixemo-nos disso. Se alguém por aqui passar, terá que ser através dos textos que formará uma opinião.

Se alguém por aqui passar... É uma contradição. Por um lado penso desejar não ser lido por ninguém. Mas, então, para que é criei um blog? Porque tenho esperanças de lerem o que escrevo, claro, mas, mais do que isso, que parem um segundo e pensem "Aqui está um gajo porreiro. Se calhar, vale a pena perder uns minutos por aqui."

E se escreverem algum comentário, que o façam sem a sensação de estarem a perder tempo, a cumprir uma formalidade, a praticar um ritual ou a fazer um favor ao gajo. Prefiro ficar desconhecido o resto da eternidade e mais um dia.

Eu começo hoje. Não sei quando acabarei.