SEM PALAVRAS

Support World AIDS Day

2009-04-17

SE ESCREVO...

Se escrevo o que sinto é porque assim diminuo a febre de sentir.
O que confesso não tem importância, pois nada tem importância.
Faço paisagens com o que sinto.

FERNANDO PESSOA

A CUNHA

Sinto que dobrei a esquina do tempo. Que o que tenho para fazer não cabe no espaço temporal que me resta. Tento acelerar tudo, não perder tempo com ambiguidades nem futilidades. O talvez foi arrumado a um canto. Passei a exigir sim ou não. Mas quanto mais apresso as situações mais me aparecem. Inesperadas, mas imperativas. A minha pressa levanta mais questões do que aquelas que eu tinha planeado.

Devo abrandar e cingir-me ao tempo normal ou saltar por cima dos casos mais problemáticos, logo mais demorados, e entrar apenas nos desafios viáveis? A dificuldade é que, por vezes, os que levantam mais problemas são os mais interessantes. É um dilema que nunca resolverei. Porque quero agarrar tudo e agora. Dedicar-me intensamente a cada situação. Se possível, viver dois dias em cada um.

Eu sei que não vai dar, que preciso de uma grande cunha para ter uma segunda vida ou um prolongamento desta por tempo indeterminado. Alguém pode meter a cunha por mim?

2009-04-16

HORAS CERTAS

Eu nasci a horas mortas

Cresci nas horas de ponta

Vivi horas faz-de-conta

Fiz horas extraordinárias

Somei só horas de atraso

Sonhei três horas felizes

Morrerei às horas certas

Hora porra p'ros deslizes!


2009-04-14

DILEMA

Um dia enfrentei perdido um dilema

Entre a razão e a emoção
Por uma vez ganhou a razão
Imperativa no seu estratagema
Resta à emoção o aprumo
De voltar a caminhar sem rumo
Deixando este esboço de poema

2009-04-13

DIAS DE FESTA

São deprimentes para mim.
Mas lembro-me de gostar de qualquer dia que juntasse a família e alterasse a rotina. Começava pelos cheiros diferentes que vinham da cozinha, da animação geral, da alegria que emanava de todos os gestos, das conversas cruzadas, da amizade que prevalecia ou reforçava os laços familiares, da hora de nos juntarmos à mesa, da hierarquia dos mais velhos, do respeito devido a essa ordem e, por fim, das diferentes comidas que ajudavam a manter a animação. Duravam horas esses encontros à volta da mesa. E eu ouvia as histórias dos mais velhos.

Eram uma festa! Quer fosse Natal, Páscoa, dia de aniversário ou só porque tinha calhado assim.

Em que altura é que essa alegria se começou a transformar em angústia? Não sei. Talvez por todos termos crescido e irmos à nossa vida? Mas se continuávamos a manter o mais possível esses encontros? Não deve ser por aí. Quando, finalmente, nos sentamos todos e até à hora de nos separarmos, não resisto ao entusiasmo que se repete. Já com cunhados e cunhadas, sobrinhos, filhos de sobrinhos - aumentou muito a família e os amigos.

Essa tristeza inicia-se antes da reunião. A angústia atinge o auge na manhã do dia de festa. Mantenho-me alegre e brincalhão enquanto dura o encontro. No regresso a casa as recordações ainda servem de combustível para o bem estar de ter tido uma festa quase como nos velhos tempos. Depois, vai desaparecendo e volta o mal estar. Não atinge os níveis da manhã, mas é um nó no peito que não consigo libertar. Só o tempo o vai desfazendo.

Dia de festa igual a dia de angústia. Com o intervalo que dura o tempo de estarmos todos juntos. Quando é que conseguirei fazer de todas as festas um longo intervalo?