A faca deslizou suavemente, sentiu uma ligeira resistência e insistente cortou. Não houve sangue nem gritos. A canção não parou, persistiu aquela melodia sem hesitações até ao fim. A criança que ia a atravessar a rua continuou. Do segundo andar sacudiram os tapetes. Um cabelo loiro veio a brilhar até se misturar com as sombras no chão. Ao longe um cão ladrou. Sem resposta ficou-se por ali. O silêncio permaneceu vigilante ao lado da faca. Um carro trespassou aquela aparente quietude. O reflexo dele acompanhou-o no vidro das montras. Como se fossem dois. Um silencioso e outro barulhento.
Desapareceu na esquina de onde surgiu a mulher. Carregada de sacos com as compras. Mediu a distância, suspirou e percorreu os últimos metros. Subiu os degraus, largou os sacos mal acabada de entrar e sentou-se na mesa. Viu a faca. Sentiu o corte. Gritou. "Ai que me cortaram a palavra! Que faço agora com a Dor para aqui sozinha? Onde está o Me?"
A secreta vida das imagens
Há 11 anos