Uma destas noites, em que estive de serviço até às 22 horas, apareceu-me um fulano, com cerca de 30 anos, para se matricular no ensino recorrente nocturno. Trazia os documentos necessários, tudo em ordem, parecia que a matrícula ia correr bem. Fiz a soma das diferentes parcelas a cobrar e dava pouco mais de 9 euros. O futuro aluno estendeu-me uma nota de 50€. Se fosse durante o dia seria fácil arranjar troco, bastava-me ir ter com a tesoureira e pedir. Perto das 10 da noite, era eu o único na secretaria e não me era possível saír para tentar trocar a nota. Perguntei-lhe se ele se importava de ir tentar arranjar uma nota mais pequena. Com o mesmo à vontade, guardou a de 50 e tirou uma de 20. Ia para lhe perguntar porque é que não tinha dado logo a mais pequena, mas achei que no fim de um dia de trabalho era melhor não entrar nesse tipo de confusões. Estava a fazer-lhe o troco quando ele me diz para eu acertar contas e dar-lhe apenas 10€ e ficar com a diferença, cerca de 70 cêntimos. Agradeci, mas disse-lhe que tinha as moedas necessárias para fazer contas certas. Insistiu para eu guardar o excesso dos 10€, que sempre daria para um café. Sorri, ainda com um resto de boa vontade, e disse-lhe que não, obrigado, que tinha que lhe dar a diferença.
Foi nessa altura que as coisas tomaram outro rumo. Elevou a voz e perguntou-me se me achava superior para não aceitar um café pago por ele ou se estava à espera que ele me desse o troco todo. Não me apeteceu perceber bem e continuei, sem lhe responder, a dar-lhe o troco e o recibo. E ele a insistir que eu me estava a fazer era aos 10€. Ainda tentei explicar que já era pago para aquele serviço e que não esperava nem um cêntimo, nem 10 euros, nem nada de quem ali fosse. Que tivesse uma boa noite que eu ainda tinha trabalho para fazer. Retirou-se para a entrada dos serviços e continuou a arengar sobre os funcionários públicos que só faziam as coisas se recebessem algum por fora. Que eu me achava muito importante para recusar as moedas, mas que estava a contar com a nota. Que por isso é que o país não andava para a frente. Continuou por ali fora até fazer de mim o único culpado de tudo o que corria mal em Portugal.
Apareceram pessoas a acalmarem-no, umas a apoiá-lo, outras a tentarem demonstrar a idiotice da sua atitude. Eu acabei o atendimento e fechei o balcão. Fiquei a pensar. Ele nem tinha a noção que tinha tentado corromper-me. Que ele é que era passível de ser acusado das várias coisas que me tinha atirado à cara. Se eu tivesse aceitado os 70 cêntimos, provavelmente, sairia dali satisfeito e com as suas convicções reforçadas. Ao recusar, provoquei uma anomalia na estrutura em que ele assentava a sua vivência.
A ofensa e a irritação passaram-me, ficou a tristeza por existirem adultos, que iam fazer um esforço para melhorarem a sua formação académica, certamente depois de um dia de trabalho, e que já viviam uma realidade distorcida, que já assentavam os seus princípios morais em desvios comportamentais. Para ele a normalidade era o inverso do que se tinha passado ali. Mesmo que nunca tivesse tido razões para tal. Bastava-lhe o ter como natural o facto de acreditar que toda a gente aceitava dinheiro por ter feito alguma coisa ou para vir a fazer.
Eu tinha sido culpado de ter posto esse princípio em causa.
Foi nessa altura que as coisas tomaram outro rumo. Elevou a voz e perguntou-me se me achava superior para não aceitar um café pago por ele ou se estava à espera que ele me desse o troco todo. Não me apeteceu perceber bem e continuei, sem lhe responder, a dar-lhe o troco e o recibo. E ele a insistir que eu me estava a fazer era aos 10€. Ainda tentei explicar que já era pago para aquele serviço e que não esperava nem um cêntimo, nem 10 euros, nem nada de quem ali fosse. Que tivesse uma boa noite que eu ainda tinha trabalho para fazer. Retirou-se para a entrada dos serviços e continuou a arengar sobre os funcionários públicos que só faziam as coisas se recebessem algum por fora. Que eu me achava muito importante para recusar as moedas, mas que estava a contar com a nota. Que por isso é que o país não andava para a frente. Continuou por ali fora até fazer de mim o único culpado de tudo o que corria mal em Portugal.
Apareceram pessoas a acalmarem-no, umas a apoiá-lo, outras a tentarem demonstrar a idiotice da sua atitude. Eu acabei o atendimento e fechei o balcão. Fiquei a pensar. Ele nem tinha a noção que tinha tentado corromper-me. Que ele é que era passível de ser acusado das várias coisas que me tinha atirado à cara. Se eu tivesse aceitado os 70 cêntimos, provavelmente, sairia dali satisfeito e com as suas convicções reforçadas. Ao recusar, provoquei uma anomalia na estrutura em que ele assentava a sua vivência.
A ofensa e a irritação passaram-me, ficou a tristeza por existirem adultos, que iam fazer um esforço para melhorarem a sua formação académica, certamente depois de um dia de trabalho, e que já viviam uma realidade distorcida, que já assentavam os seus princípios morais em desvios comportamentais. Para ele a normalidade era o inverso do que se tinha passado ali. Mesmo que nunca tivesse tido razões para tal. Bastava-lhe o ter como natural o facto de acreditar que toda a gente aceitava dinheiro por ter feito alguma coisa ou para vir a fazer.
Eu tinha sido culpado de ter posto esse princípio em causa.