SEM PALAVRAS

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2006-10-28

CORRUPÇÃO OU IGNORÂNCIA?

Uma destas noites, em que estive de serviço até às 22 horas, apareceu-me um fulano, com cerca de 30 anos, para se matricular no ensino recorrente nocturno. Trazia os documentos necessários, tudo em ordem, parecia que a matrícula ia correr bem. Fiz a soma das diferentes parcelas a cobrar e dava pouco mais de 9 euros. O futuro aluno estendeu-me uma nota de 50€. Se fosse durante o dia seria fácil arranjar troco, bastava-me ir ter com a tesoureira e pedir. Perto das 10 da noite, era eu o único na secretaria e não me era possível saír para tentar trocar a nota. Perguntei-lhe se ele se importava de ir tentar arranjar uma nota mais pequena. Com o mesmo à vontade, guardou a de 50 e tirou uma de 20. Ia para lhe perguntar porque é que não tinha dado logo a mais pequena, mas achei que no fim de um dia de trabalho era melhor não entrar nesse tipo de confusões. Estava a fazer-lhe o troco quando ele me diz para eu acertar contas e dar-lhe apenas 10€ e ficar com a diferença, cerca de 70 cêntimos. Agradeci, mas disse-lhe que tinha as moedas necessárias para fazer contas certas. Insistiu para eu guardar o excesso dos 10€, que sempre daria para um café. Sorri, ainda com um resto de boa vontade, e disse-lhe que não, obrigado, que tinha que lhe dar a diferença.

Foi nessa altura que as coisas tomaram outro rumo. Elevou a voz e perguntou-me se me achava superior para não aceitar um café pago por ele ou se estava à espera que ele me desse o troco todo. Não me apeteceu perceber bem e continuei, sem lhe responder, a dar-lhe o troco e o recibo. E ele a insistir que eu me estava a fazer era aos 10€. Ainda tentei explicar que já era pago para aquele serviço e que não esperava nem um cêntimo, nem 10 euros, nem nada de quem ali fosse. Que tivesse uma boa noite que eu ainda tinha trabalho para fazer. Retirou-se para a entrada dos serviços e continuou a arengar sobre os funcionários públicos que só faziam as coisas se recebessem algum por fora. Que eu me achava muito importante para recusar as moedas, mas que estava a contar com a nota. Que por isso é que o país não andava para a frente. Continuou por ali fora até fazer de mim o único culpado de tudo o que corria mal em Portugal.

Apareceram pessoas a acalmarem-no, umas a apoiá-lo, outras a tentarem demonstrar a idiotice da sua atitude. Eu acabei o atendimento e fechei o balcão. Fiquei a pensar. Ele nem tinha a noção que tinha tentado corromper-me. Que ele é que era passível de ser acusado das várias coisas que me tinha atirado à cara. Se eu tivesse aceitado os 70 cêntimos, provavelmente, sairia dali satisfeito e com as suas convicções reforçadas. Ao recusar, provoquei uma anomalia na estrutura em que ele assentava a sua vivência.

A ofensa e a irritação passaram-me, ficou a tristeza por existirem adultos, que iam fazer um esforço para melhorarem a sua formação académica, certamente depois de um dia de trabalho, e que já viviam uma realidade distorcida, que já assentavam os seus princípios morais em desvios comportamentais. Para ele a normalidade era o inverso do que se tinha passado ali. Mesmo que nunca tivesse tido razões para tal. Bastava-lhe o ter como natural o facto de acreditar que toda a gente aceitava dinheiro por ter feito alguma coisa ou para vir a fazer.

Eu tinha sido culpado de ter posto esse princípio em causa.

2006-10-26

OS PUTOS

Os miúdos, na escola, quando se querem afirmar ou manifestar a sua rebeldia (ou por outro motivo qualquer), escrevem palavrões ou outras coisas nos tampos das mesas ou nas cadeiras (ou noutro sítio qualquer).

Eu, que já me tenho por adulto, quando os chefes (e tenho muitos) me dão nas orelhas; quando os utentes me dão cabo da paciência (e já tenho pouca); quando as colegas me irritam (e já é fácil) ou quando acordo mal disposto (o que é difícil), escrevo no computador.

Não há grande diferença entre nós, pois não? Talvez eles não se preocupem muito com dias melhores e eu já não espero outra coisa.

2006-10-24

O Suplício

Já não me bastavam todos os problemas "morais" com a compra do "Expresso" (embora vá ficando com os filmes sem grandes remorsos) , como, agora, uma vez que o aproveito para o ler, fico a saber de todos os eventos que vão acontecer nos próximos dias e aos quais não irei assistir.

Vou enumerar alguns: Orquestra Gulbenkian, no dia 29.10.06; GNR - 25 anos, dia 31.10.06; PortoxBenfica, no próximo dia 28; Cats, até dia 28; Rui Veloso, 10.11.06; Quarteto de Herbie Hancock, a 16.11.06; o CD do Nigel Kennedy, "Blue Note Sessions"; Vicente Amigo, 28.10.06; "O Quebra Nozes", pelo Ballet Imperial Russo, lá para Novembro, e o novo disco do Sérgio Godinho, e o novo disco dos Gift e a Cassandra Wilson e a curiosidade de conhecer/ouvir Badi Assad, e o Chico César, e alguns filmes novos e muitos livros em lista de espera.

Parece-me que o "Expresso" se vinga de o ter votado ao esquecimento durante tanto tempo. Coloca-me diante dos olhos um menu delicioso, deixa-me com água na boca e é o último a rir-se por saber que me é impossível, nesta fase da minha permanência na terra, regalar-me com qualquer destes petiscos.

No próximo Sábado sai o último filme com o "Expresso". Os espectáculos continuarão a acontecer, mas os seus anúncios já não me entrarão pelos olhos dentro. Descansarei na ignorância.