SEM PALAVRAS

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2007-03-19

Conversa de Café

Bato os nós dos dedos no tampo da mesa. O teu café estremece com o toque. Levantas os olhos e perdes-te lá fora. Sei que queres evitar uma conversa azeda. Mas eu não. Eu pretendo que as coisas ganhem nomes e sejam por nós mencionadas. Assobio a imitar o vento que vês para lá dos vidros. Costuma irritar-te. Passo a fazer de panela de pressão. A expelir o ar com um início forte e a acabar com se o tivesse esvaziado todo. Olham de algumas mesas à nossa volta. Não me importo. Mas tu olhas para os meus lábios, como se esperasses outra provocação. Em tom baixo e calmo perguntas
Porque fazes isso?
É uma maneira de descomprimir e de te levar a falar.
Pronto, já falei.
Mas não do que é importante.
Do que é importante para ti ou para quem?
Dantes nunca farias essa pergunta. Tudo era importante para os dois.
Isso era dantes. Agora as tuas palavras queimam e os teus gestos são gelados.
Porque ainda me importo. Tu é que ficas sempre neutra. Nada te afecta.
Esta conversa afecta-me. Vamos falar de outra coisa.
De quê? Do tempo?
Está mais frio, não notas? Parece que voltou o inverno.
Por isso é que vim com o casacão. Mas para a semana voltaremos a ter bom tempo.
O meu café já está frio.
Vou pedir outro.
Levantei-me, pedi um café para a nossa mesa e saí. Passei pela janela, onde ela ainda estava a olhar para fora, coloquei os auriculares e segui sem música. À hora do almoço voltariamos a encontrar-nos, em casa.

2007-02-25

CRISPO-ME

CRISPO - ME


Oiço vejo e crispo-me

Dúvidas avassalam-me

Cristo surge e calam-me

Pois é tarde e visto-me

estou atrasado e perco-me

Quem não espero aparece-me

E onde não há vida salvam-me

Que mais querem – tomem-me

Não esperem trocarem-me

Que ninguém vai iludir-me

Vou de morto calado fingir-me

Não vá a vida a sério fugir-me



Crispo-me na incerteza dos dias

risco o meu futuro nas nuvens

misturas acesas noutras candeias

e perdidas todas as garantias

insisto na loucura dos meus bens

rendido escuto negras sereias
hoje sei o sabor das noites frias

2007-02-18

Memória

Se queres vir apressa-te que eu tenho as horas à espera e os segundos marcados. Tenho o tempo à justa para os dias que me faltam apanhar.

Não te demores que já te desvaneces na foto que tenho de ti. Tirei-ta quando brincavas com os teus dedos, esquecida de como me magoava não te tocar.

Decide-te e encontramo-nos noutra mentira que me dará a coragem de te deixar. Mergulha no telefone e sai do outro lado da linha ao pé de mim. Deixa-te de hesitações. Vem como estiveres. Vem! Vem, que a minha memória precisa da tua imagem exacta para levar na bagagem definitiva.


Ainda bem que vieste, mas já não te reconheço. Os teus olhos eram castanhos da cor do teu cabelo. Os teus lábios vermelhos como as últimas cerejas que comi dos teus seios. Os teus ombros eram redondos e macios, as pernas longas e saborosas. O teu pescoço...


Porque demoraste tanto a vir ter comigo?

2007-01-17

A IMAGEM


Foi sem espanto que encontrei uma bela imagem, da autoria do Leonardo da Vinci, no blog "LETRAS DE BABEL".

É um rosto que não nos deixa indiferentes, como muitos outros dele. Se a Gioconda é mais rico, cromaticamente, no sorriso, nos olhos e na postura fica a perder.

Esta imagem está numa cor diferente da que se encontra nas "LETRAS DE BABEL". Vale a pena lá ir (a visita justifica-se sempre), mas desta vez para compararem as duas. Gosto mais da outra, só para não repetir é que arranjei esta. Obrigado Nan!