SEM PALAVRAS

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2009-04-24

25 DE ABRIL DE 1974

Estava em Angola. Quando ia a caminho do café, por volta da uma e meia, vejo do outro lado da rua, com ar apressado e preocupado, um conhecido que devia ter o dobro da minha idade. Chamou-me. Quando me preparava para atravessar a rua e ir ter com ele, fez-me sinal para esperar. Olhou para um lado, depois para o outro e veio ao meu encontro. Em voz baixa perguntou-me se tinha ouvido o noticiário. Que não, não tinha ouvido. Parece que houve um golpe militar em Lisboa. Ouvi na Emissora Oficial. Perguntei por pormenores. Não se sabe nada. Parece que o Spínola está metido. Tem cuidado, pá. Não te ponhas a deitar foguetes enquanto não se souber mais nada. E seguiu a procurar mais alguém que tivesse ouvido.

Eu segui para a bica. À entrada do café notei uma excitação pouco habitual. Não era o barulho. Eram as diversas mesas ocupadas, o tom baixo das conversas, pessoas a irem de uma mesa para outra. Gente raramente vista nos cafés, alguns conhecidos, uns amigos e nenhum desconhecido. Era bom sinal, pensei. A PIDE devia estar sem muitas informações ou recebia notícias contraditórias. Os meus amigos chamaram-me para a mesa deles. Então, que dizes ao golpe? Que é muito cedo para estar a falar. Se é o Spínola o cabecilha isto pode piorar. Vamos ver quem fica com o poder, depois falamos.

Parece que lhes tinha deitado um balde de água fria. Eles que me esperavam para lhes fazer a análise da situação, que contavam com a minha alegria para manifestarem a deles, tiveram que conter esses desejos.

Porque é que aguardavam por mim para tirarem conclusões? Porque tinha sido o único a ler "Portugal e o Futuro", do Spínola!

Por causa da minha mania das leituras, só a 26 de Abril é que o meu grupo de amigos e alguns conhecidos manifestaram abertamente a sua alegria. 24 horas de Liberdade sem proveito.

2 comentários:

Only Me disse...

Ao menos foram so 24 horas. E quem hoje em dia ainda não tem liberdade? E quem a tem mas não a usa? Ou ainda pior, quem a tira aos outros?
Sim, temops liberdade, sim lutámos por ela. Mas será que assimilámos que a nossa liberdade acaba quando a do outro começa?

Sek disse...

Tem calma que tu tens razão. Não pretendi ir tão longe naquela pequena história.
Mesmo cá, em Portugal, há a pior das prisões: a ditada pelas forças das circunstâncias, os que se auto-censuram e perdem a sua liberdade.
E ainda não assimilámos que o outro tem direito ao mesmo espaço de liberdade que nós. Essa é outra violência.